sábado, agosto 23, 2008

Sábado, 23 de agosto de 2008

Quando os beats se tornaram os tais?
(Primeira parte)

Coincidências. Mexendo em meus livros, saquei algo de literatura beatnik, o que me fez lembrar de que, por volta de 1992, fui com uma antiga namorada ao cine arte de Santos (SP), onde assistimos ao Almoço Nú, de Cronenberg (post abaixo).

Era a segunda vez que íamos ao cinema e não tenho dúvidas de que, após meu convite para vermos Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, (nos revezamos nos cochilos!), as alucinadas cenas com máquinas de escrever que se transformam em baratas devem tê-la feito pensar se aquela relação não estaria fadada ao fracasso.

Enfim, dois ou três dias depois desse “revival”, eu andava pelos corredores atulhados das Lojas Americanas do Brasília Shopping à procura de um açucareiro de vidro, com tampa de rosca e provavelmente importado da China, quando me deparei com uma cópia de Almoço Nú, em DVD, na bacia das almas, ou seja, em meio às promoções de R$ 9.90.

Comprei na esperança de assistir com minha atual
namorada, que não mostrou qualquer entusiasmo. Mais velho e escaldado pela experiência, achei melhor não insistir, afinal, a relação vai muito bem, obrigado.

Sábado, 23 de agosto de 2008

As primeiras reações à obra beatnik

(continuação do post acima)


Esta semana, ao passar por uma banca de jornal do Centro de São Paulo, a capa do livro Quando eu era o tal – minha vida na Jack Kerouac School, de Sam Kashner, chamou minha atenção. Há algum tempo eu andava querendo lê-lo e inclusive cheguei a sugerir que me dessem como presente de amigo-secreto. Isso enquanto ele estava caro. Agora, como não o ganhei, achei melhor não perder a oportunidade de adquiri-lo por...R$ 9.90.

Na mesma noite, em um quarto barato da Avenida São João, ouvindo os atuais “junkies” viciados em crack uivarem na cinzenta noite paulistana, comecei a ler sobre a experiência de Kashner como primeiro “aluno” da Jack Kerouac School of Disembodied Poetics, um curso de literatura criado em 1975 por Allen Ginsberg e um professor de meditação budista tibetano, onde “lecionavam” Burroughs, Peter Orlovsky, Gregory Corso e outros.

Apesar dos vários erros de edição (atenção, editora Planeta) e da impressão de que Kashner, um autor semi-desconhecido norte-americano, parece querer `aparecer na foto´ ao lado de alguns dos mais significativos escritores das últimas décadas (Kerouac, apesar da obra irregular, sem duvida o é, graças a On The Road), o livro traz algumas observações interessantes, desconstruindo ou pelo menos rearranjando o mito sobre esses homens, então famosos e velhos.

De qualquer forma, todo esse blá-blá-blá é só para eu citar uma das passagens que mais me impressionaram nas cem primeiras páginas: a repercussão do lançamento dos primeiros livros desses autores, no final da década de 1950.

“Aprendi que Allen tornou-se o mais notório poeta da América enquanto estava fora do país, na metade dos anos cinqüenta. Ele visitava Burroughs em Tanger, no Marrocos, quando ficou sabendo que [o editor e poeta] Lawrence Ferlinghetti e o gerente da livraria City Ligts [que pertencia a Ferlinghetti] haviam sido presos por vender Howl [Uivo e Outros Poemas] para dois policiais à paisana após ter sido acusado de `promover obscenidades´ ao usar o Correio norte-americano para enviar cópias do livro a diversas celebridades”.

“A União Americana pela Liberdade Civil então viu uma oportunidade de gerar um caso importante para a Primeira Emenda, fazendo barulho pela liberdade de expressão. Ferlinguetti contratou um time de advogados de primeira e foi à júri no verão de 1957. Allen pensava não ter qualquer chance e permaneceu longe durante todo o julgamento, viajando pela Europa”.

“Peritos literários foram chamados para testemunhar a favor do livro e Ginsberg teve o raro privilégio de ter seu poema chamado de `grande´e `importante´ durante o julgamento. Para mim [Kashner] soou como se o julgamento, em que foi inocentado, tivesse sido a melhor coisa que poderia ter acontecido a Allen e aos beats. Isso os tornou famosos”.

“Nessa mesma época, On the Road [Pé na Estrada] foi publicado, mas Kerouac nunca se recuperaria daquele prazeroso acontecimento. Diferentemente de Allen, a fama não lhe caiu bem. No final, ele quase não teve tempo de se acostumar a ela. Se o romance tivesse sido publicado seis anos antes, quando foi escrito, poderia ter passado despercebido, mas o julgamento da obscenidade de Howl colocou um holofote nos beats. Mesmo assim, ninguém poderia ter previsto o tipo de sucesso que On the Road teria no outono de 1957 – o resenhista do jornal The New York Times comparou-o a O Sol Também se Levanta, de Ernest Hemingway”.

“Jack disse que se sentiu paralisado ao ler a crítica e o telefone não parou de tocar por anos. O romance ficou na lista dos mais vendidos por onze semanas. A Warner Bros. comprou os direitos para filmagem e Marlon Brando queria interpretar Dean Moriarty [Neal Cassady, o parceiro de viagem de Kerouac]”.

“E então foi a vez de Bill Burroughs, que após ter tentado trabalhar como detetive particular, garçom, exterminador de insetos e ter chegado a agir como um criminoso, falava sobre o enfado criminoso. A mesma editora City Lights recusou-se a publicar Naked Lunch, que foi então publicado em pequenas revistas e periódicos onde Ginsberg tinha alguma influência. Em 1958, a Chicago Review publicou nove páginas e então os funcionários da Universidade de Chicago se recusaram a publicar o resto do romance, descrito por um jornalista como “uma das maiores enganações de lixo impresso que eu já vi circulando publicamente”.

Funcionários da Chicago Review se demitiram e começaram suas próprias publicações. Ginsberg, Orlosvky e Corso participaram de leituras de poesia para arrecadar recursos para uma nova publicação em que pudessem terminar de publicar Naked Lunch. A primeira tiragem saiu em março de 1959 e foi imediatamente confiscada pelo Correio de Chicado como material obsceno, mas um ano depois um juiz absolveu o romance.

O editor da editora Olympia, de Paris, que mesmo tendo publicado Henry Miller havia recusado os originais do livro de Burroughs mudou de idéia diante da publicidade espontânea gerada pelo processo e ofereceu ao autor um contrato de US$ 800. Quando o livro finalmente saiu, não conseguiu uma única resenha em jornais ou revistas e Burroughs teve de se passar por crítico, escrevendo com outro nome sua própria resenha.
Em 1962 a obra seria republicada pela Groove Presse. Escritores como Norman Mailer e Nenry Miller se entusiasmariam com o romance, arrumando-lhe um lugar no panteão literário como uma espécie de obra-prima do grotesco. Uma viagem de canibalismo, violência homossexual, enforcamentos e ejaculações, o livro seria mais uma vez banido, desta vez em Boston. O caso chegou à Corte Suprema de Massachusetts e a maioria dos jurados votou que Naked Lunch não era obsceno.

Esta foi a última obra literária a ser retida por um órgão do governo. Allen Ginsberg nos contaria em classe, descrevendo o efeito do livro para o mundo nos anos 1960, que a “palavra havia sido liberada”. Para o poeta, isso era mais importante que o Dia D. escrevendo com outro nome sua pras e Burroughs teve de se fazer de cruando o livro finalmente saiu, nis do livro de Burroughs

quarta-feira, agosto 06, 2008

Quarta-feira, 6 de Agosto de 2008


ALMOÇO INDIGESTO

Quando assumiu o desafio de transpor para as telas dos cinemas o romance Almoço Nú (Naked Lunch), de Willian S. Burroughs, o mais alucinado entre os escritores beatniks, o cineasta David Cronenberg (1943) já havia se tornado mundialmente conhecido por Scanners (1981), A Hora da Zona Morta (1983) e A Mosca (1986).

Bastariam esses três títulos para que o canadense inscrevesse sua obra entre os mais polêmicos e, porque não dizer, bizarros filmes fantásticos. No entanto, com Almoço Nú – que no Brasil recebeu o horrível título Mistérios e Paixões -, Cronenberg queria provar ser capaz de filmar uma história considerada impossível de ser filmada.

Na hora de adaptar a obra de Burroughs, Cronenberg se deparou com o desafio de tornar crível as alucinações de Bill Lee, um escritor que “desistiu de escrever por considerar a atividade muito perigosa”. Após algumas prisões por uso de drogas, Lee – alter ego de Burroughs, vivido pelo Robocop Peter Weller – arranja um emprego como exterminador de insetos, dividindo seu tempo entre matar baratas e discutir literatura com seus dois únicos amigos (uma referência aos escritores Jack Kerouac e Allen Ginsberg [correção: segundo Sam Kashner [Quando eu era o tal – minha vida na Jack Kerouac School – Ed. Planeta], na segunda metade dos anos 1950, Burroughs recebeu em Tânger, Marrocos, a vista de Allen Ginsberg e Peter Orlovsky, e não de Kerouac. No post acima, as reações à Almoço Nú e outras obras beats há 50 anos]).

A coisa desanda quando sua esposa, interpretada por Judy Davis, se torna viciada no veneno que Bill utiliza para matar os insetos. Estimulado pela mulher, que descreve o “barato” provocado pela substância como “bastante literário”, Lee toma seu primeiro pico. E logo, como Joe, está viciado.

A partir daí, o escritor começa a ter alucinações em que é perseguido pela polícia por assassinar sua esposa à maneira de Guilherme Tell, ou seja, praticando tiro ao alvo. Lee vê máquinas de escrever se transformando em baratas que falam e que lhe desvendam um esquema internacional de tráfico de uma substância alucinógena obtida à partir da carne de um inseto brasileiro.

Das conversas com as estranhas criaturas que vê nas situações mais inusitadas, Lee crê ter sido escolhido para ser um agente responsável por se introduzir em meio à corporação criminosa, reportando seus planos. Tudo isso pontuado por sua atração por um escritora que lhe lembra a esposa morta (vivida pela mesma Judy Davis) e as dúvidas sobre sua própria sexualidade.

Este, ao lado de Rock Horror Show, sobre o qual ainda pretendo escrever, ocupa papel de destaque dentre os filmes mais estranhos que já assisti. Minha cópia em DVD eu comprei em uma Loja Americanas, por R$ 9,90.