terça-feira, julho 31, 2012

Por que não Dilma Rousseff (PT)?



Fosse o semifosco que vos escreve - a vós, meus três leitores -, fosse eu o responsável por formar a futura geração de assessores de imprensa e repórteres desempregados deste país inverossímil...Melhor ainda: fosse eu o redator dos manuais impostos nas mais diversas redações brasileiras, baixaria uma inconsequente resolução: proibiria, nas reportagens, a usual citação do partido a que pertencesse qualquer ocupante de cargo público.

De vereador a governador, ficaria vedada à desnecessária menção à siglas partidárias entre aspas. Salvo quando isso fosse essencial para constranger a legenda ou para o gozo do eleitorado. 

Pouparíamos a vista do (e)leitor entre quatro e sete caracteres a cada citação. Imaginem só o que tal medida significaria em economia de papel ou bytes em reportagens sobre a marcha dos prefeitos a Brasília ou sobre viagens oficiais a outros países. Além do mais, não seriam poucos os repórteres gratos por não terem mais que perder tempo pesquisando para qual partido fulano ou sicrano migrou da última vez. 

Não são estas, porém, minhas principais motivações ao apresentar esta inconsequente proposta. Oficialmente, justifico-a alegando que, em tese, em um regime republicano que funcionasse perfeitamente, o político não deveria sequer ter mãe, que dirá filiação partidária. Seria um representante do povo. Não há nada de original nesta constatação. Aliás, em parte, é ela que assegura que nenhum jornal informe a que partido pertence nossa presidenta cada vez que a menciona em uma reportagem (salvo aqueles casos que, conforme expliquei no segundo parágrafo, serão mantidos). 

Esta, contudo, é a motivação sobre a qual dou conhecimento público. A verdadeira ficará aqui, só entre nós a fim de evitarmos incompreensões e o patrulhamento ideológico.    

Sabem os esclarecidos que em função de nossas parvas...digo, pardas iminências ainda estarem concluíndo o esboço de nosso novo pacto republicano, nosso regime político se caracteriza por uma série de sérias imperfeições. Entre elas o fato de a massa do eleitorado não ter a mais vaga ideia de para que serve tantos e tão inexpressivos partidos no Brasil. Que dirá a qual deles pertencia o candidato em que ele votou nas últimas eleições por recomendação do cunhado que arrumou um emprego sabe-se lá como, mas que graças a isso, parou de ir jantar todas as noites em sua casa. 

Foi neste cidadão que pensei ao elaborar minha proposta. Proposta inconsequente, como disse no começo. Por quê? Não. Não porque não há chances dela vir a ser adotada, mas sim porque traz implícito uma conclusão muito cara ao (e)leitor mais atento: da forma como a coisa vai, não damos a mínima para os partidos políticos e tanto faz como tanto fez saber se fulano está S, D ou T, pois sabemos que este estado de espírito, digamos, ideológico, só vai durar pelo tempo que lhe for conveniente. 

terça-feira, julho 24, 2012

Assistindo tv...



... percebi que o laranja é o novo vermelho. Ou então eu nunca havia notado isso. Vivo, Itaú, Fanta (Laranja, óbvio)... eis algumas das empresas abusando da cor laranja pra chamar a atenção dos desocupados como eu. 

... ví que a Sabrina Sato foi escolhida pra estrelar uma campanha de produto de limpeza ao lado de ninguém mais, ninguém menos, que Fernanda Torres, atriz inteligente que, no imaginário coletivo, é justamente a antípoda da japonesa do Pânico. Isso ajuda a "reposicioná-la" no mercado das figuras públicas. Bobo de quem ainda pensa que a ex-big brother que colocou o senador Eduardo Suplicy de cueca e tratava o ex-senador Demóstenes Torres por cabeção, com tapas na cabeça (enquanto a Veja ainda via o goiano como um baluarte ético da República) tem algo de burra.

... imaginei se não há algo de errado com uma sociedade que, insensível ao infortúnio de crianças de rua, índios, idosos, sem-tetos, sem-terras, encortiçados, desempregados entre outros desafortunados, se comove ao ser bombardeada por notícias sobre bichinhos de estimação. 

... descobri que após muito tempo, enfim a Globo botou no ar uma novela minimamente interessante, com personagens mais nuançados que o habitual. Madrinha Naninha mesmo dia destes me disse que já não estava entendendo nada. Também, numa trama onde a exceção são as personagens normais e confiáveis, e não as loucas, infiéis ou que tem algo a esconder...

... pensei que para um ex-correspondente internacional que presenciou e noticiou em primeira mão a queda do Muro de Berlim e depois se prestou a apresentar o infame Big Brother global por mais de um década, nada poderia ser pior, nem mesmo se tornar um Serginho Groisman genérico.

... confirmei que Todo Mundo Odeia O Cris é, de longe, o melhor programa da tv aberta. E que já caducou o prazo de validade daquilo que há apenas três anos era tratado como "o novo humor televisivo". De resto, só se salva, Tapas & Beijos e A Grande Família. 

... e, por fim, concluí que assistir a mais de duas horas de tv por dia pode ser prejudicial à saúde.

domingo, julho 22, 2012

Desonra *



A camiseta do Pink Floyd sob o casaco de colarinho forrado ajuda, mas o que chama mesmo a atenção são as pernas de bailarina no esplendor dos 18 anos, decoradas com um microshort amarelo. Ele, fingindo prestar atenção na comparação entre Hollywood e o cinema autoral, se dá conta de que a canalhice é consequência do passar dos anos e crê que ele próprio, hoje, pode ter amanhecido mais um canalha. Como se de um dia pro outro sua existência adquirisse maior gravidade enquanto o objeto de seu desejo permanecesse o mesmo - tal qual as pernas, que lhe parecem as mesmas que já detinham sua atenção antes mesmo que ela houvesse nascido. Ele sabe que ela sabe que ele é um canalha, pois apesar da curta existência, esta é das primeiras lições que aprendem as garotas com semelhantes pernas. Todos que passam a volta deles são atraídos - por ela? pelo shorts? pela gravidade dele? - e rapidamente também concluem que ali está, de pé, mais um canalha tentando dissimular sua cafajestice com um papo cabeça qualquer. Só ele ainda resiste à dúvida: será mesmo um canalha? Ou será  apenas mais uma risível vítima masculina da natureza, que não dotou os homens do adequado mecanismo seletivo que equacione o desejo com os cabelos brancos? 


* Desonra é o título de um curto e excelente livro do escritor sul-africano J.M. Coetzee, laureado com o Prêmio Nobel de literatura em 2003 pelo conjunto de sua obra. Narra a história de um professor universitário de literatura, cinquentão e divorciado, que assiste passivamente à ruína de sua credibilidade, carreira e vida após um escandaloso caso de envolvimento seu com uma aluna virem à tona. O livro foi recentemente adaptado para o cinema, com John Malkovich interpretando o papel principal.

sábado, julho 21, 2012

Surf Contra o Apartheid


Pense na trama de Otelo, de Shakespeare. Imagine a tragédia protagonizada por um adolescente negro sul-africano ao invés de um valente general mouro. Imagine também que a trama não se passa mais em Veneza ou Chipre durante o tempo das Cruzadas, mas sim nos guetos sul-africanos, durante o período do apartheid, quando equilíbrio e jogo de cintura podiam salvar vidas.

Agora tempere este argumento com pitadas dos filmes Repórteres de Guerra *, Caçadores de Emoção **, do indefectível A Onda dos Sonhos *** e com enxertos de vídeos de surf. Pronto. O que você tem em mente é algo como o filme Otelo Em Chamas, produção sul-africana dirigida pela documentarista Sara Blecher, lançada no ano passado e exibida durante o Festival Internacional de Cinema de Brasília. E que, ao contrário do que você pode imaginar vendo o cartaz , não é um filme sobre surf, mas sim um drama sobre vidas em risco, sobre sonhos e, principalmente, que contradiz a máxima de que não há nada que um dia de surf não cure.

Apesar de pouco original (ou, pelo contrário. Talvez, nestes tempos de mashup *****, a originalidade do filme esteja justamente na colagem das múltiplas referências deslocadas para um cenário pouco habitual), a história é bem contada e o filme bem conduzido, com exceção de uns poucos minutos próximos do fim, quando a narrativa perde um pouco do ritmo.

De toda forma, Blecher obtém um trunfo em comparação à maioria que a antecedeu na difícil tarefa de contar uma história tendo o surf como fio condutor: é das que chegou mais perto de conseguir transmitir ao público leigo a real sensação de liberdade experimentada por quem pega onda. Mesmo que, acertadamente, ela procure  não mitificar a prática do surf, ao contrário do que fez o terrível Nas Mãos de Deus *****. Não só eu (que continuo surfando de vez em quando) achei isso, como também pessoas de Brasília  que não tem a menor familiaridade com tal estilo de vida.

Também merecem destaque a bela direção de fotografia de Lance Gewer e as atuações dos adolescentes que interpretam as personagens livremente inspiradas nos shakespeareanos Otelo, Cássio, Dêsdemona e no insidioso Iago, um dos meus vilões (e porque não dizer personagens) preferidos.

Pena que dificilmente um filme destes chegará às salas cinematográficas brasileiras senão em festivais como o brasiliense , que se encerra neste domingo (22). Mais lamentável ainda é saber que um esporte tão intimamente associado à liberdade haja tão poucos negros entre os principais atletas profissionais. Estou tentando me lembrar se a própria África do Sul, de tanta tradição surfística - berço de vários ídolos do esporte, como o branquelo Shaum Tomson (campeão mundial de surf em 1977, mais de dez anos antes do período em que se passa a história do filme) - já teve algum representante negro entre a elite dos atletas mundiais e não me recordo de nenhum. Voltarei a este post caso me recorde. 




Pesquisando na internet, descobri que, em 2011, Sara também lançou o documentário Surfing Soweto, em que conta a vida (e as mortes) de um grupo de surfistas de trem da África do Sul.

domingo, julho 15, 2012

O Lado obscuro da Força

                                                       "Rosane Collor agora é minha subcelebridade favorita" - usuário do twitter poucos minutos após o fim da entrevista

                                            "Perdi meu tempo vendo a entrevista feita para promover o futuro livro" - da apresentadora e ex-global Leda Nagle, no twitter


A esta altura da vida, já sei o valor do conhecimento. Nada melhor, portanto, que encerrar o domingo aprendendo algo mais sobre a história do meu país. Mesmo que seja da história recente, já que a memória é traiçoeira. A minha, por exemplo, insistia em me fazer crer que nas eleições presidenciais de 1989 houve, entre outras coisas, um episódio envolvendo um certo debate eleitoral mal editado pelo jornalismo da Globo que, segundo todos, interferiu no resultado do pleito. Segundo minha falível memória, a própria direção da Vênus Platinada havia reconhecido o erro recentemente.

Hoje, contudo, graças ao infatigável jornalismo investigativo do programa Fantástico, aprendi que nada disso teve importância. Não foi graças ao apoio dos grandes grupos de comunicação (Globo e Veja, principalmente) que o "caçador de marajás" Fernando Collor de Melo venceu o "sapo barbudo" petista Luiz Inácio Lula da Silva e chegou ao Palácio do Planalto para ser deposto dois anos depois. Segundo o programa global, Collor foi eleito e se manteve no poder (ainda que por pouco tempo) graças sim à ... rituais de magia negra.

Quem disse isso à experiente jornalista Renata Ceribelli? A dindinha Rosane Collor, ex-primeira dama que hoje briga com o ex-marido na Justiça para assegurar a pensão alimentícia de R$ 18 mil que ela considera pouco. O resultado prático das sessões de matança de animais na Casa da Dinda não chega a ser dita claramente, mas fica implícita. Collor foi eleito o mais jovem presidente brasileiro. Mas vejam só no que deu. Ele devia ter pedido o endereço de Bita do Barão, o pai de santo que presta serviços ao imortal Sarney. Este sim sabe fazer um trabalho bem feito.

Anunciada como uma entrevista bombástica, a divulgação da suposta matéria com a ex-primeira dama pegou mal nas redes sociais. De maneira geral, a impressão foi: que diabos é isso? Ex-mulher raivosa é fonte? Cabe iniciar a matéria mostrando-a em sua nova fase evangélica? Adeptos das mais diversas teorias da conspiração argumentam que a Globo não dá ponto sem nó e se perguntam: por que o Fantástico agora decidiu fazer isso? Ali não há bobos e ninguém dá ponto sem nó. Terá sido simplesmente para divulgar o livro (qual será a editora? Globo??) ou o objetivo maior era mandar um aviso para o Collor?

Tudo bem. Rosane estava lá, acompanhando de perto um dos momentos mais tensos da história política brasileira. Só que com apenas 27 anos, ela era então considerada uma porta. Difícil acreditar que mesmo após 20 anos ela tenha qualquer outra coisa de interessante a revelar que não diga respeito a origem do dinheiro de que ela também desfrutou e, pelo visto, continua desfrutando. Sobre isso, nem uma palavra.

 Vou dormir feliz. Satisfeito com o jornalismo brasileiro. Ciente de que o Fantástico não medirá esforços para continuar nos brindando com importantes informações que nos ajudem a entender a história de nosso tempo. E me estimulando a fazer o mesmo. Tanto que já recorri a outro oráculo, o Google, para resgatar as últimas notícias envolvendo Fernando Collor e tentar entender o que o alagoano andou fazendo recentemente para contrariar a toda poderosa. O jornalista Luiz Nassif sugere que pode ter a ver com um discurso recente do senador, que atacou a imprensa durante uma sessão da CPMI do Cachoeira, chamando a Veja de um covil de bandidos. Como se vê, só mesmo o ceticismo pode nos salvar.

(Rogério Tomaz - Globo mira Collor e pode acertar Perillo)
(Estado de S. Paulo - Rosane vira piada na internet)
(Blog do Mauricio Stycer - Entrevista de Rosane ao Fantástico é uma ducha de água fria)


 

Tulipa Ruiz - nada efêmera


                                   "Vou ficar mais um pouquinho para ver se eu aprendo alguma coisa nesta parte do caminho"

Olha, amigo,  insisto: não acredite no chavão de que a música popular brasileira anda uma merda só porque as rádios e os programas de auditório `só querem tchu, só querem tchá´ pensando em `se te pegam´ a fim de lobotomizar sua atenção, sedando seu espírito crítico e lançando-o em um estado de baixa reatividade emocional. (como já sabem meus três leitores, odeio clichês do tipo, "ah, mas Brasília não tem o que fazer!")  

Os verdadeiros artistas da nova safra musical ainda não chegaram aos comerciais anti-pirataria produzidos pela Abert ou à programação da maioria das rádios do país. E, talvez, nunca cheguem, embora sejam muitos, diversos entre si e estejam oxigenando a cena contemporânea. 

De Norte a Sul, de Leste a Oeste, os criadores com alguma chance de produzir algo que não seja tão efêmero quanto o maior sucesso mensal de todos os tempos estão nos palcos de pequeno e médio porte, nos blogs de opinião como A Musicoteca, nos palcos de entidades sócio-culturais como o Sesc e no youtube, disputando sua atenção com muita porcaria chancelada por quem segue a máxima que ninguém jamais deixou de ganhar dinheiro por subestimar a inteligência do público. E só alguns poucos receberão o visto para adentrar as terras da Grande Família, em Jacarepaguá, ou o Reino de Deus, por exemplo.

Cabe aos interessados pesquisar e fugir ao fast-food cultural servido frio pelos programadores desinteressados. Porque estes só querem manter as coisas como antes, indiferentes à realidade de que, embora não pareça, estão gradualmente perdendo audiência - já que, com mais e novos canais de comunicação, inclusive direta e pessoal, muita gente já se deu conta de que nem só de Big Mac vive o homem e decidiu montar seu próprio playlist.  

É a tal da Teoria da Cauda Longa, conforme divulgada, em 2006, pelo então editor-chefe da revista Wired, Chris Anderson.

 

A cantora paulista Tulipa Ruiz é uma destas "novas vozes brasileiras". Embora tenha lançado um único disco (o segundo já está pronto e deve sair em breve), já conquistou uma legião fiel de fãs e inscreveu ao menos uma composição (Efêmera, registrada acima) entre as mais queridas e lembradas por quem curte a nova cena. 

Filha de pai músico, a ex-jornalista e ilustradora de 33 anos demorou a decidir enveredar pela música. Quando o fez, precisou de pouco mais de um ano para lançar o elogiadíssimo cd Efêmera (2010) e ganhar o público com a qualidade de suas composições e sua simpatia.

Sempre acompanhada por bons instrumentistas, Tulipa conquista de cara. Na última sexta-feira (13), em Brasília (DF), ao se apresentar de graça na abertura do Festival Internacional de Humor e Arte em Aids, entrou no palco aplaudidíssima pelo público já devidamente entusiasmado com os shows anteriores do rapper Gog e da, para mim, maior aposta musical do país, a brasiliense Ellen Oléria. Bastou uma canção e ela já tinha a todos nas mãos, se permitindo inclusive ousadias como a louca e arrastada interpretação da música Da Maior Importância, do Caetano Veloso - algo que poderia ter custado a perda do interessa da plateia até mesmo para artistas com muito mais tempo de estrada que ela. 

No dia seguinte, conversando com amigas que estiveram na área externa do Museu Nacional, uma constatação que comprova minha impressão de que o show foi ótimo: todos acordamos assoviando ou cantando alguma das músicas de Tulipa. Um bem-estar nada efêmero.  


sexta-feira, julho 13, 2012

Na Estrada - Em Brasília



"Viajar é útil. Faz a imaginação voar. Todo o resto é decepção e fadiga" - Sal Paradise (alter-ego de Jack Keroauc) in Na Estrada

Cerca de 1.4 mil brasilienses convidados para a cerimônia de abertura da primeira edição  do Festival Internacional de Cinema de Brasília  lotaram o Teatro Nacional na noite desta quinta-feira (12) para assistir, em primeira-mão, ao mais recente filme do cineasta brasileiro Walter Salles. Adaptação cinematográfica da bíblia beatnik On The Road, Na Estrada chega hoje (13) às salas de cinema brasileiras.  

Fã incondicional do livro escrito pelo norte-americano Jack Kerouac, o semifosco foi conferir a estreia do filme . E gostou. Muito. 

Não deve ter sido fácil transpor para o cinema a história  dos  jovens candidatos a escritores que, no início da segunda metade do século passado, ajudaram não só a arejar o panorama cultural dos Estados Unidos (e, consequentemente, de quase toda a cultura ocidental), como assumiram publicamente a defesa de novos comportamentos sociais (uso consciente e recreativo das drogas,  sexo livre, homossexualismo, recusa dos valores paternos), antecipando em dez anos o auge da eclosão contracultural da psicodélica década de 1960. Ainda mais porque, em seu livro, Kerouac adota um estilo que busca simular o ritmo e as improvisações do jazz (sobretudo o bebop de Charlie Parker e Dizzy Gillespie) e aproximar-se do chamado "fluxo contínuo" de escrita.

(leia também `Após 55 anos inspirando leitores, bíblia beat chega aos cinemas´ e veja a entrevista em vídeo do próprio Kerouac)

Festival - A partir de hoje (13), o Festival Internacional de Cinema de Brasília ocupa dois espaços da capital federal – o Cine Cultura Liberty Mall e a sala Alberto Nepomuceno, do Teatro Nacional. Além da adaptação de Salles (de Central do Brasil, Diários de Motocicleta, entre outros), outros 45 longa-metragens de vários países vão ser exibidos até o próximo dia 22.

Doze títulos disputam a mostra competitiva, que irá premiar com US$ 10 mil os vencedores das categorias de melhor filme, direção, fotografia, ator e atriz, totalizando US$ 50 mil dólares em prêmios.

A proposta dos organizadores do festival de investir na diversidade temática e de estilos transparece na seleção dos doze filmes que concorrem ao prêmio de melhor produção. Limitando a inscrição a cineastas com no máximo três títulos no currículo, a mostra conseguiu atrair novos talentos, alguns já testados em importantes festivais como Cannes, Sundance e Berlim.

“Foi uma forma de privilegiarmos os novos talentos, já muito bem recebidos no circuito dos festivais internacionais, mas ainda pouco conhecidos ou até mesmo desconhecidos pelo público brasileiro”, explicou a Agência Brasil o diretor geral do festival, Nilson Rodrigues, apontando que a diversidade também fica patente na origem dos diretores presentes ao evento: Macedônia, Albânia, Chile, Estados Unidos, Colômbia e Inglaterra, entre outros.

Além da mostra competitiva, o festival também organizou seis mostras paralelas, sendo uma delas dedicada à atriz francesa Anna Karina. Protagonista de importantes filmes franceses, nos quais trabalhou com diretores como Jean-Luc Godard, Karina está presente em seis obras que serão exibidas durante o festival. Ela também fará um show durante a abertura do evento e deve participar, no domingo (15), de um debate sobre o movimento cinematográfico Nouvelle Vague com o público que comparecer ao Shopping Liberty Mall, as 17h30.

O evento também dedicou um espaço especial para as novidades latino-americanas, segmento marcado por obras com forte conotação político-social e representado por sete títulos, todos dirigidos por mulheres.

“Identificamos o crescimento do número de mulheres filmando e achamos interessante associar isso à maior presença feminina na vida pública latino-americana, com várias mulheres no poder”, disse Rodrigues. As obras da mostra Cara Latina vem da Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Honduras, Venezuela e do Brasil, onde a carioca Lúcia Murat rodou Uma Longa Viagem, único título nacional da mostra.

As outras quatro mostras são dedicadas ao novo cinema europeu (representado por quatro títulos); à produção cinematográfica africana (cinco filmes); ao chamado cinema independente norte-americano (seis obras) e ao cinema de animação.

Exibidos na sala Alberto Nepomuceno do Teatro Nacional, os filmes das Mostra Anna Karina e Mundo Animado terão entradas grátis. Os demais, que ocuparão o Cine Cultura Liberty Mall, custarão R$ 16 (inteira). O Liberty Mall também abrigará vários seminários e debates com diretores e atores. A programação completa pode ser conferida no site http://biffestival.com/programacao

segunda-feira, julho 09, 2012

Flip - Últimas Imagens


Impossível fugir das imagens clichês em noite de lua cheia sobre o Rio Perequê-açu
A favor do vento
A construção branca, a Igreja de Nossa Sª. das Dores (Capelinha), está ali desde 1800  
Fazendo hora na ponta do Forte Defensor Perpétuo
O declamador de versos tem uma antologia poética salva na memória 
Por falar em foto clichê...um dos muitos artistas estabelecidos em Paraty
Isso na bandeja são camarões. Dos graúdos 
Coroas Cirandeiros, grupo que mantém viva uma das mais importantes manifestações culturais caiçaras
 Sede do Grupo Contadores de Estórias, que há 38 anos encanta plateias do mundo inteiro com seus bonecos
Durante a Flip, em cada esquina há um diferente grupo e gênero musical
Quixote - figura apropriada 
Cordelista: mais uma das personagens que todos os anos dá as caras durante a festa literária
Ganhando a vida enquanto poetas pescam versos
Praia do Jabaquara
Algumas das fotos feitas pelo fotógrafo Walter Craveiro durante os dez anos da FLIP

Ainda Mais Paciência


Apesar da péssima imagem obtida à distância durante o show do Lenine na abertura da 10ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o som ficou audível. A supresa, para mim, no entanto, foi só agora me dar conta de que, assim como no ano passado, durante o show da Elza Soares, o único vídeo com o mínimo de qualidade para ser compartilhado aqui foi, de novo, o da música Paciência.

sábado, julho 07, 2012

Frazen


Jonathan Frazen já foi capa da Times. Críticos o apontam como um dos mais importantes escritores norte-americanos das últimas décadas, o que parece mais próximo de conseguir escrever o tal "grande romance americano do século". Ele também já apareceu nos principais programas de entrevistas da tv de seu país e de outros. Apesar de extensos, volumosos, seus livros vendem muito bem, inclusive no Brasil, onde o mais recente, Liberdade, chegou a frequentar a lista de mais vendidos.

Já o poeta sírio Adonis (veja texto anterior) é praticamente desconhecido do público brasileiro - até porque, seu primeiro livro traduzido para o português, Poemas, só agora está sendo lançado por aqui.

Ciente disso tudo, me chamou a atenção que o público que acompanhou o debate de Adonis com o também pouco conhecido (no Brasil) libanês Amin Maalouf tenha sido infinitamente maior que o de Frazen.

Embora o norte-americano tenha sido um dos autores-símbolos convidados para esta edição que marca os dez anos da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), sua presença ficou longe de causar o alvoroço esperado. Considerados apenas os "pipocas" (aqueles que não pagam ingresso e ficam do lado de fora da Tenda do Telão, assistindo à transmissão da palestra pelo famigerado telão), Frazen teve o menor público de todos os debates a que eu assisti este ano, mesmo sua palestra tendo começado as 19h30 de sexta-feira, quando a cidade está bombando. Pra efeito de comparação, hoje (7), durante o bate-papo entre a "estreante" no Brasil Jennifer Egan (veja alguns posts abaixo) e o celebradíssimo Ian McEwan (de Reparação, entre outros) não havia lugar para se sentar ao redor da Tenda do Telão, embora o sol estivesse a pino e fosse meio-dia de sabadão, horário em que muitos, como eu, preferem se dedicar à helioterapia regada à caipirinha e cerveja, entremeadas por mergulhos salgados.

E o pior é que quem se mobilizou para ouvir Frazen parece ter saído insatisfeito (o que deu para notar pelo grande número de pessoas que deixaram a palestra no meio, dentre os quais os "pipocas", como eu NOS chamamos, são o melhor termômetro: como não gastamos nada e temos que, por isso mesmo, ficar desconfortavelmente em pé ou sentados no chão, nos sentimos livres para simplesmente levantar e irmos embora caso a conversa não nos fisgue). Ao final do bate-papo, não devia haver muito mais de cinquenta pessoas assistindo à palestra do lado de fora da Tenda do Telão. Pior que, dentro, a coisa também não foi muito diferente. O comportamento de Frazen, que ora divagava, ora insistia em fazer piadas sem-graça ou que só ele entendia ao invés de responder as perguntas contribuiu muito para isso. 

De maneira geral, o que mais ouvi no caminho da praia à ponte por onde todos deixam a área das palestras é que Frazen comprovou aquilo que já sabíamos de ouvir o Luis Fernando Veríssimo: não necessariamente um bom escritor é um bom orador e muito menos um bom contador de histórias orais. Frazen, além de não ter sido nenhum dos dois, ainda revelou ter um humor para lá de sem graça (o que, vale dizer, não é o caso de Veríssimo, que, apesar de falar pouco, costuma ser engraçado).

Conclusão: siga lendo os livros de Frazen com um sentimento de gratidão caso você seja um dos seus muitos fãs que não conseguiram concretizar o desejo de ouvi-lo na Flip. 

sexta-feira, julho 06, 2012

Paraty conhece Adonis, o senhor árabe provocador


Cotado para o Nobel de literatura e só agora publicado no Brasil (Poemas, R$ 42, Cia das Letras), o poeta sírio Adonis injetou indignação nos até agora mornos debates desta 10ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), cujos organizadores o apresentaram ao público como "o grande renovador da poesia árabe do século XX" - justamente por Adonis ter explorado novos temas para além do que ele próprio classifica como o polo estático (al thabit wa) da cultura árabe, ou seja, a religião. 

Hoje (6), entre críticas aos Estados Unidos e ao regime do presidente sírio Bashar Al Assad (que desde março de 2011 enfrenta manifestações de populares que exigem sua renúncia), o poeta de 82 anos defendeu a transgressão e o constante questionamento como características que distinguem a legítima arte, destacando-a do proselitismo político ou religioso.  

A seguir, algumas poucas declarações de Adonis anotadas durante o bate-papo do sírio com o escritor e jornalista libanês Amim Maalouf.

"O Ocidente se tornou refém da energia fornecida pelo petróleo e, portanto, do Oriente Médio, que o produz. Além disso, se tornou refém também da indústria armamentista"


"Obama é simplesmente uma máscara negra em um rosto branco"

"Não se pode defender o atual regime político sírio, mas se a mudança não for completa, com a necessária separação entre Estado e religião e com maior liberdade feminina, a mudança do regime não significará nada. É preciso mudar o regime, mas também nos perguntarmos o que vamos fazer depois [de mudá-lo]"

"Uma literatura árabe devidamente humana e criadora deve ser fundada na transgressão. Se não questionar nossas tradições, não haverá uma grande literatura árabe"




O Mundo de Shakespeare


Freud chegou a interromper uma sessão para perguntar a seu paciente, um ator, se ele acreditava que Shakespeare havia de fato escrito a obra que lhe é atribuída. Tolstoi dizia detestar o dramaturgo inglês.  Diversos outros homens extraordinários chegaram a questionar a possibilidade do filho de um artesão de luvas ser o maior autor da língua inglesa, um gênio universal, um artista não só incrivelmente criativo, mas, como dizem, que compreendeu e expôs a essência humana como nenhum outro, condensando-a em uma frase lapidar, a existencialista ser ou não ser, eis a questão.
   
Os esforços de alguns para negar a William Shakespeare (1564/1616) a autoria de sua obra foi um dos pontos discutidos pelo professor de literatura da Universidade de Columbia, James Shapiro, e o professor de literatura em Berkeley e Harvard, Stephen Greenblatt, durante a mesa seis da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), esta manhã (6). Ambos minimizaram o fato de existirem poucos registros da vida privada do dramaturgo, o que ajudou a alimentar as especulações de que parte das peças que hoje levam seu nome tenha sido escrita por outros autores.

"Shakespeare era um ator e dramaturgo que dirigia sua própria companhia, a Lord Chamberlain's Men. Não era um nobre ou um homem proeminente. Daí não ser um mistério o fato de haver tão poucos documentos e sabermos tão pouco sobre ele. Existe o registro de batismo, declarações de impostos e atestado de óbito. Infelizmente, não há o tipo de documento que os leitores contemporâneos exigem, mas creio que mesmo que houvesse, a dúvida persistiria, pois o que nos surpreende é como ele foi capaz de escrever tal obra", disse Shapiro. 

"Freud não acreditava que Shakespeare fosse o autor de sua obra. Ele era tão obcecado com isso, quanto era influenciado pela obra dramatúrgica. A teoria do Complexo de Édipo tem muito o que ver com o drama vivido por Macbeth", afirmou Greenblatt, defendendo a tese de que, em seus últimos anos de vida, o bardo inglês trabalhou em parceria com outros autores. "Ele era um ator que precisava ensaiar muito e, como diretor, estava sempre promovendo mudanças de última hora em suas peças, o que lhe deixava pouco tempo para escrever. A primeira metade de Péricles, Príncipe de Tiro, visivelmente não foi escrita por ele", concluiu Greenblatt. 

Shapiro e Greenblatt destacaram o fato de que Shakespeare foi o primeiro dramaturgo a ganhar muito dinheiro com sua obra. E que, como sócio de sua companhia teatral, tinha pleno domínio estético sobre suas peças, das quais conhecemos 38, além de 154 sonetos, dois longos poemas narrativos e vários outras poesias - tudo traduzido para os principais idiomas e, no caso das peças, constantemente encenadas. 






* Para quem quiser saber mais sobre o assunto, vale ler o excelente livro Falando de Shakespeare, da crítica teatral Barbara Heliodora, brasileira mundialmente reconhecida como uma das maiores especialistas na obra do dramaturgo inglês

quinta-feira, julho 05, 2012

Porque permaneci parado, confuso, tentando enxergar a frente



Senti a náusea se instalando sorrateiramente. Tudo permanecia exatamente como há poucos instantes: as casinhas cuidadas com esmero, o romântico piso irregular, o sol brando, as coroas elegantes ou plastificadas, os jovens casais de namorados sorridentes, o intelectual com a barba por fazer, todas as grifes, todas as marcas, o café e o jornal de graça...Ainda era a mesma Paraty. Com helicópteros e jatinhos executivos pousando, com a casa do príncipe Orleans e Bragança e as outras pertencentes à realezas midiáticas. Mesmo assim, como em todos os anos, a náusea conseguiu voltar a me pegar desprevenido, ameaçando meu processo digestivo. 

"A esquerda escocesa A GENTE sabe onde é que está. No Executivo, no Legislativo e no Judiciário. A Direita, da qual eu faço parte, ...bem, qual é o endereço da direita a não ser os nossos aparelhos?", perguntou uma senhora de pele alva, olhos claros e óculos Tag Heuer prendendo os cabelos (louros, óbvio) que deve ter caído do SUV durante a mudança e desde então anda buscando por seu grupo. Era ela a que mais esperava que Pondé arreganhasse os dentes frente a qualquer menção a Lula (o que, aliás, ele não fez, ou fez cordialmente). 

Foi o que bastou para a náusea do mundo se alvoroçar, embora ela só tenha me pego de jeito momentos depois, quando ouvi a resposta dada a uma jovem estudante da Bahia que fez a pergunta mais sensata entre todas feitas pelos leitores do jornal paulista que lotavam o casarão colonial para ouvir o filósofo e colunista Luiz Felipe Pondé falar sobre o jornalista Paulo Francis, mas, principalmente, sobre as conclusões que o levaram a escrever, com colegas, o livro "Por Que Virei à Direita".

Nada contra o sujeito ser destro, canhoto ou chutar com as duas. Eu provavelmente reagiria da mesma forma caso um outro sujeito tentasse justificar porque virou à esquerda - a menos que ele tivesse a coragem de assumir ter feito isso para ficar próximo ao poder. Minha indiferença é por acreditar que estes conceitos - que, no Brasil, só ficaram claros durante os regimes de exceção, quando quem não era ingênuo era obrigado a saber onde estava pisando -, estes conceitos há tempos estão clamando por uma revisão, por uma nova definição. E o filósofo, aquele que deve buscar ver com olhos novos, não veio auxiliar neste sentido. Pelo contrário.

Tanto que, quando a jovem de 17 anos disse estar confusa tentando entender o que classificou como "A DISCUSSÃO DE VOCÊS" e perguntou pragmaticamente se esquerda e direita de fato ainda existem, a resposta veio na forma de uma digressão histórica de um didatismo primário, sem qualquer Ponderação sobre onde se quer chegar com tal discussão. 

"Esquerda e direita são conceitos didáticos... Esta é uma imagem da Revolução Francesa, mas existe todo um processo político britânico que conhecemos pouco e que não passa por esta oposição de forma tão clara", disse Pondé. Como se no Brasil das alianças pragmáticas e partidos de aluguel sem qualquer projeto ideológico ou político a separação entre os dois pólos estivesse clara. 

"A expressão direita e esquerda existe como fato histórico, como conceitos. Assim como quando nós dizemos `na Idade Média´, é uma expressão didática que é mais ou menos verdadeira. Primeiro porque quem vivia na Idade Média não sabia que vivia nela", reconheceu o filósofo, que, ao contrário do exemplo citado, está convicto de viver à direita em um estado (SP) há décadas administrado por um partido social-liberal que o principal opositor se esmera em associar à direita. O filósofo talvez cogite escrever um livro com o chamativo título "Por que me voltei em direção à Idade Média, um "termo didático" como tantos outros usados por nós acadêmicos enquanto jovens continuam confusos sem saber a que estamos nos referindo".  
  
A coisa seguiu mais ou menos assim por uma hora, em um espaço de consenso amplo, sem espaço para o contraditório e com parte dos ouvintes incitando o palestrante a falar de Lula, do governo federal, do PT e das esquerdas. É direito. Eu mesmo não discordo de tudo o que Pondé disse - concordo, por exemplo, que não há debate na academia e que as experiências comunistas reais foram um fracasso, por diversas razões que ele não elencou. Só lamento que, ele talvez não tenha tido espaço apropriado ou vontade para ir além na sua definição das características do que vem a ser a tal direita a que se filia - "sociedade de mercado, democracia liberal, defesa da propriedade privada e da relação entre trabalho, esforço e direito pessoal de se buscar o que se quer" - para deixar claro que, no Brasil, isso nunca existiu. Haja visto a gana dos empresários em socializar os prejuízos e buscar auxílio governamental frente a qualquer marola. 


Sei, óbvio, que Pondé e boa parte dos presentes leram e tem um repertório informativo muito mais amplo que eu, que fico tão confuso quanto a jovem estudante de 17 anos quando me ponho a pensar sobre se, politicamente, sou de direita ou de esquerda. Neste sentido, no entanto, a fala de Pondé só serviu para me deixar esperançoso de que neste exato momento, em algum ponto do planeta, algum outro jovem confuso e descontente esteja testando, na prática, alguma uma outra coisa que não o que ainda se entende por direita e esquerda. Porque se é verdade que as teorias políticas de esquerda, na prática, geraram ditaduras, os resultados alcançados no "melhor" capitalismo ainda estão muito aquém de nos contentar. ("mesmo com a atual crise, e o mundo sempre teve crises, a ideia de democracia liberal calcada pelos direitos individuais e pela noção de capitalismo como o sistema menos mal que conhecemos parece ter se tornado hegemônico  porque, primeiro, os governos de esquerda reais produziram pobreza, explosão social, burocracia e patrulha ideológica, como em Cuba", palavras de Pondé). 

Creio que para chegarmos ao ponto de partida, primeiro será preciso responder à pergunta da jovem Luma: ainda existem direita e esquerda? A partir daí, então, vamos pensar em quais são nossas opções. Fora isso, qualquer outra ação é somar esforços a um dos dois leões que estão se comendo enquanto os animais menores esperam pelas sobras.  

Jennifer Egan na praia


Praia com Jennifer Egan no colo. Quer dizer, não propriamente com a autora norte-americana, mas sim com o excelente livro que ela escreveu, A Cruel Visita do Tempo, no qual entrelaça com perfeição a história de vários personagens, como o executivo de uma gravadora musical, o ex-punk disposto a morrer no palco, o jornalista acusado de assediar uma estrela de cinema e a relações públicas que, após cair no ostracismo, tem a oportunidade de voltar à tona melhorando a imagem de um ditador sanguinário.

A obra deu a Egan não só o Pulitzer de melhor autor de ficção do ano passado, mas uma série de outros prêmios importantes. No Brasil, até por conta do convite para vir a Flip deste ano, Egan obteve uma boa acolhida junto ao público, o que levou a editora Intrínseca a lançar às pressas O Torreão, primeiro romance da escritora.

Ainda não cheguei a metade das 333 páginas, mas estou gostando - há algumas passagens inspiradíssimas, daquelas que o leitor mais atento se pega pensando sobre como a autora imaginou algo do tipo.

Difícil até de titular


A Flip começou bem. Já a festa começou morna. Para os não-iniciados, as falas de abertura desta 10ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty foram deveras exigentes, embora não necessariamente herméticas ou pedantes.

Pelo contrário. A análise que o crítico literário, professor universitário e ficcionista Silviano Santiago fez da trajetória poética de seu conterrâneo, o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade,  homenageado da vez, por exemplo, foi uma verdadeira aula. Ocorre que, dado o alto nível da exposição, o pleno desfrute exigia dos ouvintes um bom repertório. Tentando acompanhar a evolução paralela do menino de Itabira e de "seu irmão mais velho, o século XX", eu boiei em vários momentos. Ponto para a literatura e o conhecimento em detrimento do oba-oba.

"Nas últimas décadas de vida do poeta, século e sistema tornam-se repressivos, tradicionais e conservadores. Voltam-se os olhos para os regimes totalitários que sobreviveram à Segunda Guerra Mundial. O poeta, por sua vez, acompanhou o movimento do seu irmão mais velho, o século XX, e passou a se deleitar com a infância feliz em Itabira, ao mesmo tempo em que, no fio de alta tensão da poesia, viviam os valores rurais e patriarcais inscritos na tábua da lei mineira de família. Irmão mais velho e irmão mais novo sobrevivem no futuro do passado", viajou Santiago, esforçando-se para evidenciar a estreita vinculação da poética drummondiana às mudanças político-culturais do vertiginoso século passado, já chamado de Era dos Extremos.

"A medida que Drummond se aprofunda no inconsciente da infância, restringe-se sua preocupação com a sociedade universal. Primeiro, restringe-se ao grupo nacional a que pertence. Em seguida, à célula familiar que se responsabiliza por ele. A crise do liberalismo dos anos 1930, gerado pelos regimes revolucionários tanto de esquerda quanto de direita - cuja redenção estaria na sociedade justa do futuro - acaba por encontrar a solução prática quando o cidadão descobre sua comunidade e abandona as utopias universais autodefinindo-se um liberal. No final do século XX, a comunidade é o melhor antídoto contra qualquer pensamento revolucionário universal. Cultivamos nosso jardim e redescobrimos o bom-senso de Voltaire. A crise do liberalismo não termina pelas utopias de esquerda ou de direita, mas pela redescoberta do próprio liberalismo".

Neste momento, ao meu lado, um jovem cutuca a bela ninfeta que o acompanha e diz "vamos embora. Não estou entendendo nada. Não faço ideia sobre o que ele está falando". Ao que ela responde: "peraí que estou gostando. Estou quase entendendo", adiando os desfrute etílico-sexual do rapaz.

..."saímos em busca de nós mesmos. Mais sabidos, mais racionais, empilhamos livros, teorias, conhecimento e deixamos a ação revolucionária e transformadora do planeta para a geração seguinte. Ultimamente, com a ajuda do poeta [simbolista francês] Mallarmé, andamos redescobrindo que a carne depois de lidos todos os livros, fica triste".

Carne triste após a leitura?! Era a deixa de que o rapaz precisava para enfim convencer a menina para um passeio pelas ruas ainda semi-desertas da cidade, entregue ou à celebração literária ou à festa corintiana que se avizinhava. Saíram juntos, abraçados, praia afora enquanto eu tentava retomar o fio-da-meada. 

"O sucesso de público de Drummond, a unanimidade em torno da escolha de sua obra poética como a mais significativa do modernismo brasileiro... tudo isso advém do fato de que sua poesia dramatiza de forma complexa e original a oposição e a contradição entre razão e emoção. Entre Marx e Proust, entre a revolução político e social instauradora de uma nova ordem universal e o gosto pelos valores tradicionais do clã familiar dos Andrades, seus valores sócio-econômicos e culturais. Duas linhas de forças paralelas e contraditórias", dizia Santiago no momento em que  uma balzaquiana, provável professora secundarista de literatura brasileira (há muitas delas que viajam em grupos, anotam tudo que é dito e não perdem uma só palestra para ir à praia) me chamou a atenção na "pipoca" - ou seja, encostada contra a grade que separa os que pagam para se sentar e ver a apresentação por um telão daqueles que não pagam e assistem a tudo pelo mesmo telão, em pé, do lado de fora da Tenda do...Telão. Concentrada, ela sequer notou que era observada em seu exagerado aprumo de turista em "lugar chique".

"Vistos em conjunto, temos de um lado os textos poéticos que descrevem longa e minunciosamente o processo de decadência porque passa a oligarquia rural mineira em seus constantes combates com o processo de urbanização e industrialização do Brasil. Do outro, poemas que traduzem a esperança em uma frutífera radicalização social oriunda do otimismo gerado pelo movimento tenentista de 1930, otimismo este crítico da oligarquia rural, onde, paradoxalmente, se situa o clã dos Andrades. Estas duas linhas se enlaçam, se enroscam, ocasionando a principal tensão dramática da poesia de Drummond", diz o palestrante, triunfal, enquanto eu me socorro recorrendo ao conhecimento oriundo das novelas globais. Imagino que nas minas gerais de Drummond ou na Bahia de Gabriela, o "processo de decadência da oligarquia rural" não deve ter sido muito distinto.

Santiago segue mencionando ecos do mito de Robinson Crusoe na poesia drummondiana. A rebeldia do poeta contra os valores tradicionais da família oligárquica mineira, a ironia contida em versos como "os pais, primos, irmãos, avós dando-se as mãos, os mesmos bisavós, os mesmos trisavós, os mesmos tetravós, a mesma voz, o mesmo instinto, o mesmo fero exigente amor crucificante, crucificado". "Rebeldia, insubordinação e aventura revolucionária, de um lado, arrependimento, reconhecimento tardio e obediência aos valores familiares do clã de outro", conclui Santiago, seguindo adiante, indiferente aos que estivessem em busca da propagada festa paratiense ou apenas aguardando pelo show de abertura, este ano a cargo de Lenine. 

"Existem pelo menos dois Drummonds. O primeiro compreendeu de maneira inigualável o tempo e os homens do presente. Teria se assustado com o trabalho sangrento que o bisturi poético faz das chagas sociais do nosso tempo. Escreve Claro Enigma (1951) e, na mesma década, passa o bastão de revezamento da crítica social ao jovem João Cabral de Mello Neto, que busca uma poesia de maior eficácia social e política. O outro está ligado aos valores do velho latifúndio. Ao assumir o discurso do patriarca, Drummond foi se esquecendo de continuar a esquadrinhar com os olhos o caminho de luz  que os faróis do carro poético haviam aberto a sua frente. Passou a ficar embevecido com a paisagem antiga que lhe enviava o espelho retrovisor. Poeticamente instalado de novo no antigo sobrado mineiro de Itabira, descobre, muito acima dos mortais que, entre o sobrado e a rua há uma escada reveladora ("ponte para marcar o isolamento", conforme as palavras do próprio Drmmond)".  

Na sequência veio o poeta, filósofo e letrista (ah, sim, e irmão da cantora Marina Lima, insistem em lembrar as pessoas ao meu lado, embora a pequena apresentação constante do livrinho da Flip esnobe tal informação pop) Antonio Cícero, que se limitou (não é bem este o verbo, já que ele se alongou um pouco mais que Santiago) a ler e analisar o poema A Flor e a Náusea, de Drummond. Foi bem, mas a esta altura eu ainda estava esperando as sinapses finais para concluir a assimilação da palestra anterior. 

Desconfio que daqui a algum tempo, a ficha vai cair e eu vou lembrar com respeito e carinho desta noite. Por agora, o máximo que meus parcos recursos intelectuais me permitem fazer é registrar os poucos insights de Santiago que retive sobre a biografia e a poesia de Drummond e, principalmente, sobre o conturbado século passado. 

Celebração Cacófona


Convidado a fazer um balanço sentimental dos dez anos da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o escritor Luis Fernando Veríssimo alimentou a já folclórica fama de ser avesso a falar à plateias - que ele carinhosamente chama de "o monstro". Ao mesmo tempo,  em menos de sete minutos, provou que o domínio do discurso textual é capaz de superar inclusive a timidez.

"Vocês começam a entender porque fui eu o escolhido para fazer esta apresentação da 10ª Flip. Em primeiro lugar [os organizadores] queriam alguém que falasse pouco e não atrasasse a festa. Em segundo lugar, desconfio que a Flip quis me dar outra oportunidade de me redimir do vexame", disse Veríssimo, fazendo graça com o episódio ocorrido em 2008, quando, convidado para atuar como mediador do bate-papo com o dramaturgo inglês Tom Stoppard, se referiu ao festival como Clip, ao invés de Flip.

"Não foi uma gafe. Troquei o F pelo C confiando que a plateia entenderia minha sutileza. Quem errou foi a plateia, que não me entendeu", brincou o escritor. "Com [o uso equivocado do] c eu quis dizer que o que acontece aqui é uma conspiração. Há dez anos a [editora e idealizadora da festa literária] Liz Calder conspira para nos deixar mais inteligentes, pois o que acontece aqui, na cidade, é um conluio de ideias, uma convergência de tipos e talentos, uma catarata de conceitos, um carrossel de criações, uma catarse, uma catequese".

Leia abaixo a íntegra do texto de Veríssimo.

“Há exatamente quatro anos eu fui convidado pela Flip para apresentar e entrevistar o dramaturgo inglês Tom Stoppard. Apesar do meu pavor de enfrentar o monstro, que é como eu chamo, carinhosamente, a plateia, qualquer plateia, me enchi de coragem, coloquei um Isordil preventivo embaixo da língua e subi no palco com o Tom Stoppard. E minhas primeiras palavras foram: “ É um grande prazer estar de volta aqui na CLIP”.

Na hora, não me ocorreu nenhuma maneira de consertar meu erro. E vocês começam a entender por que fui o escolhido para fazer essa apresentação na décima Flip. Em primeiro lugar, queriam alguém que falasse pouco e não atrasasse a festa. Em segundo lugar, desconfio que quatro anos depois, a Flip quis, generosamente, me dar outra oportunidade de me redimir do vexame de ter trocado o F pelo C. Tive quatro anos para pensar numa explicação para minha gafe. Que, sem esta oportunidade, me perseguiria, inexplicada, até o túmulo.

E depois de pensar durante quatro anos decidi adotar uma máxima muito usada no futebol e por políticos  sob investigação, segundo a qual a melhor defesa é o ataque. Minha explicação para a gafe é que não foi uma gafe. Troquei o F pelo C conscientemente, confiando que a plateia entenderia minha sutileza. Quem errou foi a plateia, que não me entendeu.

Com o C eu quis dizer que o que acontece aqui em Paraty todos os anos é uma conspiração. Há dez anos Calder e cúmplices conspiram para nos deixar todos mais inteligentes. O que acontece aqui é um conluio de idéias, um convênio de cérebros, uma convergência de tipos e talentos, uma catarata de conceitos e cantares, um carrossel de criações e catarses e contestações e casos e catequeses.

Meu C também aludia ao fato de grande parte do charme e do brilho do evento acontecer nas mesas dos bares e restaurantes em Paraty. Também era um C de comilança, de convescote e de conversa noite a dentro.

O caráter internacional do evento resulta num vibrante embate de línguas mediado por intérpretes atarefados, em que no fim todos se entendem, ou se desentendem magnificamente.  Meu C também era de cacofonia, maravilha cacofonia.

E como quase tudo se passa sob essa grande tenda, onde vemos desfilar feras do pensamento, números de emocionante acrobacia intelectual e prestidigitação verbal, cuspidores de fotos e alguns palhaços no bom sentido, o C também era de circo.

Mas acima de tudo, o C que ninguém entendeu era de celebração  – um termo quase religioso para o que vem acontecendo em Paraty todos estes anos. Celebração do livro. Celebração da literatura, esse território livre onde o espírito humano se expande e se impõe. Um dos últimos livros do Stephen Greenblatt – que, aliás, é um dos convidados desse ano – se chama “Shakespeare’s Freedom” e começa com essa frase: “Shakespeare como escritor incorpora a liberdade humana.” Para Greenblatt Shakespeare é o maior exemplo na história do poder da linguagem de conjurar mundos, inventar universos e examinar e emular qualquer emoção humana. Mas todo escritor tem acesso a esse território em que a linguagem tudo pode e a imaginação não tem limites. Cada livro, cada frase, cada palavra e eu diria até cada vírgula e cada ponto é um exercício de liberdade, e isto também é o que se celebra em Paraty.

E aqui também se celebra a permanência do livro. Não duvido que em algum momento deste encontro surgirá uma pergunta sobre a iminente morte do livro, vítima dos novos tempos e da nova tecnologia. Na verdade, a morte do livro vem sendo preconizada há tempo, e nunca acontece. É uma das mais longas agonias de que se tem notícia. E mesmo que o livro esteja moribundo, podemos buscar consolo numa analogia que li há pouco tempo, feita por outro americano, o romancista e ensaísta John Barth. Para Barth a morte do livro se parece com a morte de certas personagens da ópera, que vão definhando por três atos até falecerem no fim, mas não sem antes encontrarem fôlego para uma última ária. E Barth lembra que geralmente a última ária é a mais bonita da ópera. É esse o nosso consolo: como as sopranos tísicas, a literatura ainda nos reserva uma ária final, de uma grandeza hoje inimaginável. E que em algum lugar do mundo alguém está escrevendo esse trágico e belo último ato.

Pronto. Não sei se cheguei a desagravar a minha gafe, mas pelo menos tentei. E tudo isso foi apenas um preâmbulo para dar boas-vindas a todos e dizer que é um grande prazer estar de volta aqui, inaugurando a décima edição da Clip. Ahn, da Flip!”

terça-feira, julho 03, 2012

Primeiras Imagens



Faltando pouco menos de 24 horas para o início da 10ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), os principais responsáveis pelo sucesso do evento começam a chegar à cidade do litoral fluminense. São eles, os anônimos, como eu, que tomam as ruas, se acabam na "marvada" parati, viram a noite tentando se equilibrar sobre o irregular piso pé-de-moleque e ainda encontram disposição para acompanhar o bate-papo literário. Nem que somente umas poucas mesas.

Até esta terça-feira (3) a noite, a cidade história ainda estava tranquila. Salvo o habitual burburinho dos bares da Praça da Matriz, a maior parte das ruas estava vazia. A expectativa, contudo, é grande. Como este ano a festa chega ao seu décimo ano homenageando o poeta Carlos Drummond de Andrade, os organizadores prometeram uma promoção especial. Incluindo o aguardadíssimo show de abertura, nesta quarta-feira (4), que ficará a cargo de Lenine.