quarta-feira, agosto 15, 2012

Flat lá, Guayasamím aqui




Como este caiçara semifosco auto-exilado no Cerrado vai treinar para ser o melhor surfista de Brasília se Netuno, Iemanjá ou o Príncipe Namor não ajudam? Mais uma vez, retornamos a Brasília, eu e meu amigo cara de pau, Carlos Leite, frustrados. Após tanto tempo tentando conciliar nossas agendas e organizar uma surf-trip, a primeira etapa de nossa `lua-de-mel´ foi decepcionante. Durante uma semana no litoral paulista não conseguimos nem ao menos colocar as pranchas no mar para surfar meio metrinho de ondas que fosse. Mar colado, parecendo uma piscina. 

Como quem não tem cão caça com gato, Leite teve que se contentar com aquilo que a "sonífera ilha", Santos, tem a oferecer além das ondas. Ou seja, pouco. Tomar sol na praia, cinema, tomar vento na praia, encontrar velhos amigos meus, tomar sereno na praia, comer os bolinhos de bacalhau no Toninho, mais cinema (o Cine Arte, que é mantido pela prefeitura e onde vimos o francês O Garoto da Bicicleta e o argentino Medianeras, ainda custa R$ 3. A inteira), um show no Sesc, uma peça em Sampa (Feriado de Mim Mesmo. Bem fraquinha)...ah! e, lógico, tomar caipirinha na praia. 

Resta-nos agora contar com a boa-vontade divina a fim de termos mais sorte na segunda etapa de nossa surf-trip de férias.

****


Por outro lado, bastou um dia em Brasília para que eu, sozinho, pudesse desfrutar do privilégio de visitar a belíssima exposição de parte das obras do pintor equatoriano (Oswaldo) Guayasamín, aberta na última sexta-feira, no Museu Nacional da República.

Imperdível. São cerca de 350 obras produzidas pelo "O Pintor da América Latina), conforme a Unesco sugeriu, em 1999, que Guayasamím fosse tratado por se tratar de um dos mais importantes artistas plásticos latino-americanos da história, autor de uma obra de viés político e questionadora.

"Minha pintura é para ferir, para arranhar e atacar o coração das pessoas. Para mostrar o que o homem faz contra o homem", registrou o autor de Lágrimas de Sangue (reproduzida acima), talvez sua obra mais conhecida, uma homenagem "do povo" ao presidente chileno assassinado durante o golpe militar de 1973, Salvador Allende, ao poeta Pablo Neruda (perseguidos pelo regime e assassinados em 23 de setembro de 1973, apenas 12 dias após o golpe que depôs e tirou a vida de Allende) e ao cantor Victor Jara, morto com vários tiros na cabeça no dia 15 de setembro do mesmo ano.   

Tal como o colombiano Botero, Guayasamim pintou impressionantes caricaturas dos poderosos de forma a ridicularizá-los - o que se vê na série (foto ao lado) composta pelas telas O Presidente; O Macuto ou o Militar; O Ditador ou o Gamonal e O Cura. Este último, por exemplo, tem a cabeça gorda e disforme vista pelas costas, de forma que só um dos olhos, visto de perfil, permite adivinhar se tratar de uma pessoa. 

Guayasamim também pintou a paisagem de seu país, sobretudo a capital, Quito, hoje Patrimônio Cultural da Humanidade. E quem já esteve na cidade histórica a reconhece facilmente ao ver de longe os borrões de óleo sobre tela do equatoriano. 

Além da já conhecida Lágrimas de Sangue, chamaram muito minha atenção as telas Cabeça de Montanha; A Marimba (devido à clara influência cubista); A Angústia; o esboço em papel Soldado e o tríptico A Mãe, cujo sofrimento, hoje, traz à mente as imagens cotidianas de mães velando seus filhos nos programas policiais. 

A exposição ficará em cartaz até 14 de outubro, mas vale muito a pena ir o quanto antes. 

Nenhum comentário: