segunda-feira, outubro 29, 2012

Em lugar nenhum familiar



De: Carlos Leite leiteempedra@ig.com.br
Assunto: viagens
Para: semifosco semifosco@blogspot.com
29 de outubro de 2012  09:23

Hoje eu vi golfinhos.
Sim, mais cedo eu vi golfinhos. Três. Nadando bem próximos à areia. Que areia? Foi pra contar isso que te liguei assim que cheguei no aeroporto, mas você estava ocupado e eu acabei não conseguindo falar nada.
Eu também queria dizer que acho que descobri porque você diz que já não gosta mais de viajar tanto quanto antes. Acho que é porque você se acostumou a pertencer aos lugares familiares. Sua casa, seu bairro, sua cidade...
Pensei nisso ontem, quando acordei no meio da noite, cansado de tanto surfar, em um quarto escuro desconhecido e, assim que recobrei a memória de onde estava, percebi que gosto muito desta sensação de não-pertencimento, de estar em lugares onde não tenho uma história.
Acho que isso explica em parte porque gosto tanto de partir. E porque, após alguns dias, volto a desejar viajar. Acho que ajuda também a entender porque gosto tanto de quartos de hotéis, albergues, pousadas, pensões: são lugares impessoais, cuja história de cada pessoa que por eles passa se apaga tão logo ela parte. Aliás, exatamente como acontece no surf, quando estamos a gastar nosso valioso tempo deslizando sobre as ondas. Completada a onda, não restam vestígios.
Não sei porque andei pensando essas coisas. Muito menos porque decidi te escrever. Talvez seja por não ter conseguido conversar com o amigo, sempre muito ocupado para ver golfinhos e para não pertencer a lugar algum.

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