sexta-feira, outubro 12, 2012

Equívocos da Co...a

Conhecida por suas bem-acabadas e milionárias campanhas de publicidade, a Coca-Cola conseguiu, com uma estratégia que pode vir a se revelar equivocada, o que nem a antipatia contra a Fifa e contra os grupos de mídia mais poderosos do país havia conseguido até agora: catalizar a indignação de um segmento da sociedade contra a forma como vem sendo conduzida a organização da Copa do Mundo de 2014. 

Semanas após a Fifa apresentar ao mundo a mascote oficial do mega-evento esportivo, a marca de refrigerantes espalhou por dez das 12 cidades-sede dos jogos (só ficaram de fora Manaus e Natal) réplicas do simpático tatu-bola cujo nome ainda está sendo escolhido. Cada uma das cópias foi oportunamente instalada em locais de grande movimento, inclusive em pontos turísticos tombados como patrimônio histórico-cultural, caso da Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF) (veja dois posts abaixo) e diante do Farol da Barra, em Salvador (BA). 

Muitos não viram problema algum na associação da empresa privada, patrocinadora oficial da Copa, com a "mascote" de um evento que está recebendo vultosas somas de recursos públicos na forma de reconstrução de estádios e obras de infra-estrutura que, embora bem-vindas e necessárias, estão sendo planejadas em virtude das necessidades e prioridades da organizadora do torneio, ou seja, a Fifa, e não da população. Muitos outros, contudo, ficaram indignados ao ver o espaço público loteado à iniciativa privada e, diante do boneco `vestindo´uma camiseta vermelha com a logomarca Coca-Cola, não demoraram a acusar a "privatização do espaço público".

O episódio mais violento até o momento ocorreu na semana passada, em Porto Alegre (RS), onde policiais militares chegaram a disparar balas de borracha contra centenas de manifestantes que tentavam `liberar´ uma praça.

A manifestação gaúcha parece ter sido o sinal para a abertura da temporada de caça ao tatu promocional. Passados dois dias, dois homens furaram a réplica instalada na Esplanada dos Ministérios (veja o vídeo no post abaixo). Conforme a Agência Brasil noticiou ontem (veja dois posts abaixo), o Iphan não tinha autorizado a instalação do boneco no local, que é tombado e reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade. O governo do Distrito Federal (GDF) sim autorizou, ainda que a legislação local proíba ou imponha uma série de condicionantes à exibição de publicidade em toda a área tombada. Cabe, neste caso, discutir quem infringiu a lei antes?

Após as ocorrências, que classificou como atos de mero vandalismo, a Coca-Cola diz estar estudando a reinstalação dos bonecos em Porto Alegre e em Brasília. Pasmem. A prefeitura gaúcha, segundo notícias de veículos locais, chegou a se oferecer para bancar o conserto do boneco (que, soube-se ontem, não foi estragado durante o tumulto, mas apenas esvaziado). 

Não sou especialista, mas creio que se eu fosse responsável pelo departamento de marketing da Coca, abortaria a ação promocional e deixaria o tatu-bola descansando em paz em algum galpão. Passada a Copa, quem sabe eles ainda não lustram a imagem chamando a mídia para registrar a doação das nove réplicas sobreviventes a instituições de abrigo de crianças e adolescentes como uma baita ação de responsabilidade social.

Para fundamentar meu conselho de leigo, vale verificar a `temperatura´ das redes sociais e reproduzir o comentário da internauta gaúcha Caroline Silveira Bauer, compartilhado por outras 1.025 pessoas no facebook e aprovado por 1.066 dos seus leitores. Boa reflexão.


Então, um espaço público e histórico de mobilizações sociais, batizado em homenagem a um opositor da ditadura civil-militar, companheiro de uma das mulheres mais combatentes pelo movimento feminino pela Anistia, é dominado, nos últimos tempos, por uma empresa privada, com o argumento da "revitalização do centro de Porto Alegre" - leia-se higienização, especulação imobiliária, etc. Ok.
Então, alertados pelo que havia acontecido na noite anterior, em relação ao Teatro da Opus e da Coca-cola - quer dizer, Araújo Viana - nada mais, nada menos do que QUINZE viaturas policiais, e o Grupo de Operações Especiais reúnem-se no largo, PARA PROTEGER UM BONECO INFLÁVEL. É importante esclarecer que este boneco inflável é um ser inanimado, bonitinho até, e se trata de uma propriedade privada. Ok, a polícia militar estava ali para proteger a propriedade privada - e a ordem política e social, por que não?
Então, um grupo de manifestantes, exercendo um dos seus principais direitos democráticos - o de protesto - e uma das principais virtudes contra governos autoritários - a desobediência civil - resolve retomar o largo, tornando-o, novamente, público. São atacados com a mais brutal violência, novamente equiparando-se a violência civil (plenamente legítima), com a violência do Estado, sua máquina, sua prática, seu terrorismo. Ok.
Vejo as mensagens e postagens de amigos que estavam lá, e que dizem que há feridos. Vejo fotos como esta e penso: a) existia policiamento, neste momento, na Redenção, local onde uma médica sofreu uma tentativa de latrocínio há dois dias? b) existiam rondas noturnas para assegurar a volta para casa de estudantes e trabalhadores para os quais o dia só termina as 23h?
Concluo que é necessário o fim das polícias militares, de governos que engulam suas revitalizações higienistas e especulatórias, e que os viúvos e as viúvas do relógio dos 500 anos aprendam, de uma vez por todas, que A PRAÇA É DO POVO, e que A BELEZA E O PROTESTO ESTÃO NA RUA.


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