sexta-feira, outubro 05, 2012

Os "substitutos da Vuvuzela" e os direitos intelectuais dos povos tradicionais



Eu já ouvi alguém dizendo que para conquistar a simpatia de um jornalista e, assim, conseguir uma reportagem mais favorável aos seus interesses basta ou criar um prêmio para dar as "melhores" matérias sobre o assunto de interesse ou então marcar uma coletiva para o horário do almoço e oferecer um farto buffet. Outra pessoa já me disse que um bloco de anotações e uma caneta são suficientes. Ninguém nunca tinha sugerido, no entanto, que um chocalho tocado por uma celebridade teria efeito semelhante sobre o "espírito crítico" de alguns destes profissionais. 

Depois de noticiarem acriticamente a instalação, em plena Esplanada dos Ministérios, do boneco do tatu-bola com a logomarca de um famoso refrigerante estampada no peito como "a chegada do boneco da Copa 2014 a Brasília" (veja alguns posts abaixo), os comunicadores voltaram a baixar a guarda ao serem apresentados aos "inspirados" futuros instrumentos musicais da Copa, a caxirola e o pedhuá. 

Nem com os próprios apresentadores dos dois objetos de plástico reconhecendo terem se inspirado no caxixi - instrumento de origem africana e, hoje, aparentemente considerado de domínio público - ou no pedhuá  - apito indígena usado para atrair aves e até hoje encontrado em feiras populares -, nem assim alguém ousou questionar se ambas iniciativas não se tratavam de uma mera cópia. Nenhum jornalista lembrou de verificar se isso não feria a lei de propriedade intelectual ou se os dois objetos, de fato, já estão patenteados. Ninguém questionou ao Ministério do Esporte se não seria mais razoável pensar numa forma de beneficiar artesãos e comunidades tradicionais ao invés de "empresas" que só há poucos meses demonstraram interesse pelo assunto. Aspectos que não passaram desapercebidos pelos internautas, que logo começaram a postar comentários deste tipo nas redes sociais e nos sites de notícias que divulgaram o assunto festivamente. A maioria dos dos internautas classificou os projetos como cópias ou oportunistas. Nem assim a imprensa bancou a discussão. Algo preocupante se pensarmos nos reflexos muito mais sérios que o evento esportivo pode criar, vide as denúncias de que moradores de áreas carentes estariam sendo removidos de suas casas para ceder lugar às obras da Copa. 

Oportunamente, foi a agência pública de notícias, a Agência Brasil, que é vinculada ao governo federal (mas é PÚBLICA) quem primeiro decidiu aprofundar a discussão em torno da aprovação do Ministério do Esporte a caxirola e ao pedhuá como instrumentos capazes de divulgar o Brasil para brasileiros e, principalmente, estrangeiros e o conflito com os direitos tradicionais e as formas de compensar as comunidades pelo uso de seus bens e manifestações. Saiu ontem. Até agora, pelo visto, a maior parte da imprensa considerou a discussão desnecessária. Para quem pensar diferente, vale a visita ao site da Agência Brasil:

Especialistas criticam reconhecimento do governo a instrumentos musicais para a Copa

O governo federal perdeu uma grande oportunidade de reforçar a importância do legado afroindígena para o país, analisam especialistas ligados à preservação e à promoção das culturas tradicionais e ao direito intelectual. Na semana passada, o Grupo Executivo da Copa do Mundo de Futebol de 2014 (Gecopa) incluiu a caxirola (uma espécie de chocalho) e o pedhuá (tipo de apito), instrumentos musicais inspirados em objetos centenários indígenas e africanos, entre os projetos privados que visam a promover o Brasil em função do evento. A decisão surpreendeu especialistas da área cultural.



Autores de projetos dizem que instrumentos musicais são inovadores e contribuem para o meio ambiente

Os responsáveis pelos projetos da caxirola e do pedhuá – os dois instrumentos musicais escolhidos pelo Grupo Executivo da Copa do Mundo de Futebol de 2014 (Gecopa) para representar e promover a imagem do Brasil por ocasião do evento esportivo – destacaram a importância do reconhecimento governamental a suas iniciativas e rebateram as críticas de que tentam se apropriar de objetos tradicionais africanos e indígenas de domínio público para faturar.

http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-10-04/para-autores-de-projetos-instrumentos-musicais-sao-inovadores-e-contribuem-para-meio-ambiente


Nenhum comentário: